Guimarães, o homem de 15 pistolas para matar ou morrer. E gramática do caos

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O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, durante entrevista coletiva Foto: Júlio Nascimento/Presidência
O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, durante entrevista.

A gramática e a sintaxe do governo Bolsonaro devem ser objetos de investigação científica. A cabeça do chefe é notavelmente desorganizada. Mas a dos subordinados consegue ser pior. A língua é espancada sem dó.
Pedro Guimarães, presidente da Caixa Econômica Federal, não fugiu à regra dos inflamados, incluindo o presidente, e falou do ponto de vista da vítima. Também ele estaria sendo injustiçado. Leiam a íntegra de sua fala. A transcrição está em todo lugar. Ele parece sofrer muito mais do que milhões de pessoas que não conseguem sacar os R$ 600 que lhe pertencem.
E, como também é regra entre os engajados, seu discurso apela à truculência. Para endossar o presidente na crítica ao isolamento social, referiu-se ao um episódio ocorrido no Rio no dia 21 de abril, anterior à reunião. Segundo a PM, a mulher do deputado federal Luiz Lima (PSL-RJ) nadava com a filha de 14 anos na praia de Ipanema, embora isso contrariasse as medidas de distanciamento social adotadas pelo governo do Estado. Os policiais dizem que foram advertidas e se negaram a obedecer à ordem. Foram, então, levadas para a delegacia.
Guimarães achou o assunto relevantíssimo. E mandou brasa numa reunião inflamada:
Desculpa o meu ponto, presidente, quando o senhor falou, pô, o ... eu vo ... eu vou me emocionar. O Luiz Lima, que nadou com meu pai, foi atleta olímpico, teve a esposa e a filha de catorze anos presa ontem, no camburão. Que porra é essa? Desculpa.
Jair Bolsonaro aparteia: "Tá certo!". Guimarães prossegue:
Que porra é essa? O cara vai pro camburão com a filha. Se fosse eu, ia pegar minhas quinze armas e .. . ia dar uma ... eu ia se ... eu ia morrer. Porque se a minha filha fosse pro camburão, eu ia matar ou morrer. Que isso? Tava nadando na ... na ... é uma atleta olímpica. Você tira a pessoa, a pessoa tá nadando com catorze anos. Eu tenho uma filha Maria de catorze anos. Se a minha filha fosse pro camburão ou eu matava ou morria. Que isso?
(...)
pra direito, tá ... pra tudo quanto é lado. Então o governador rouba, aí ele sai prendendo todo mundo, e fica tudo isso por isso mesmo?
Ai a gente faz o maior programa da história da humanidade de inclusão de pessoas que recebiam vinte e cinco por cento ao mês, cobravam, PSDB, PT, PMDB, aquela ... aquele grupo todo. Na hora de privatizar, todo mundo, porra .. . com duzentos milhões, trezentos milhões, pô. Tem vice-presidente da CAIXA que eu expulsei, dos cento e vinte, cento e cinco eu tirei. E se o senhor precisar, obviamente o meu chefe é o ministro Paulo Guedes, ele decide. Não tem problema. Inclusive, porque o que acontece é o seguinte, se roubar eu vou ligar pro ministro Moro pra prenderAgora se precisar de uma diretoria num sei o quê, desde que sejam honestos, o ministro Paulo Guedes é que decide etc. Mas dos cento e vinte eu tirei cento e cinco. E na CAIXA não tem desonestidade, até onde eu saiba. Mas, assim, eu acho que a gente tá levando muita porrada, presidente, e ... de novo, eu não to dizendo de ninguém daqui não.
A gente só leva porrada. Agora tem um limite. Desculpa. É, o ... todo lugar que eu vou, as pessoas normalmente são educadas, mas o ... a paciência chega num limite, obviamente não dessa maneira, eu acho que tem um ponto. Nós estamos emprestando cento e cinquenta e quatro bilhões de reais, mas só um ponto que eu acho importante ... Tarcísio é super meu amigo e ele é muito esperto. Qual que é a ... o grande ponto que a gente tem que evitar? O cara que tá quebrado, já estava quebrado antes e quer a nossa molezinha. Então, assim, claramente tem que ajudar e eu concordo, tanto que nós emprestamos quarenta e três bilhões de reais pro segmento imobiliário.
Um milhão e meio de pessoas deixaram ... ser demitidas. Agora, não é pra todo mundo não! Aquela empresa que já estava quebrada antes, por que que a gente vai dar molezinha? Então, este ajuste fino é importante, os bancos tem que fazer, por quê? Último ponto que eu falo. Já estou sendo processado também, vamos nós dois juntos pra cadeia, por causa do auxílio emergencial. Sabe que que tem? Tem gente do TCU dizendo que a gente tá {dando} muito e tem gente dizendo que a gente tá pouco. Ferrou.
COMENTO
É claro que você não entendeu quase nada. Tampouco aqueles que o ouviram. Ele salta da indignação com a prisão da mulher do amigo do pai dele (isso não se faz...) para a suposta roubalheira dos outros partidos, passando pelo acordo que o presidente fez com o Centrão -- que, fica claro, supõe cargos na Caixa --, chegando às operações de crédito, fazendo uma parada nas empresas que já estavam em dificuldades e buscam ajuda até desaguar, claro!, de forma indireta, na imprensa, que criticaria a sua espantosa competência, terminando por reclamar do TCU.
E tudo isso de uma vez. O único que julga ter entendido o que disse, certamente, é Bolsonaro. Porque os dois falam a mesma língua. Qualquer que seja ela, até lembra o português.
O VALENTÃO
Em que país do mundo um alto servidor da administração pública, numa reunião ministerial, reclama da detenção da mulher de um amigo, acusa um governador de ladrão, anuncia que tem 15 armas em casa e diz que, fosse com ele, sairia para matar ou morrer?
A propósito: Guimarães deve ser colecionador de armas. E suponho que todas elas sejam legais, não é mesmo? Considerando as ameaças que fez, se houver um mandado de busca e apreensão na sua casa, suponho que todos os trabucos sejam registrados.
Mas tenho outra curiosidade: por que destacar que tem 15 armas? Quantas seriam suficientes para matar um número de pessoas correspondente à sua indignação? Deixem-me ver: uma em cada lado da cintura, outra na mão, uma em cada canela, outra em cada coxa (em alturas distintas)... Uma na parte de trás, apontando para o cóccix, outras abaixo de cada sovaco. Armado, pois, até o cóccix, o presidente da CEF poderia sair de casa com 10 armas em seu dia de fúria. Mas quinze?
Bem, era, afinal, a reunião em que o presidente confessou que está atuando em favor de uma futura luta armada.
BANDEIRANTES
Guimarães afirmou ainda o seguinte sobre a TV Bandeirantes:
"Acho que a gente tá com um problema de narrativa. Hoje de manhã, por exemplo, o pessoal da Band queria dinheiro. O ponto é o seguinte: vai ou não vai dar dinheiro pra Bandeirantes? Ah, não vai dar dinheiro pra Bandeirantes? Passei meia hora levando porrada, mas repliquei"
A empresa divulgou uma nota:
"No vídeo da reunião ministerial, liberado pelo STF, aparece o presidente da Caixa Econômica, Pedro Guimarães, dizendo que a Band 'está me pedindo dinheiro'. Essa frase soa leviana e irresponsável e tem que ser explicada por esse senhor. A Band se orgulha de operar com lisura na sua área comercial e não admite que qualquer de seus funcionários saia da linha técnica e rigorosa. Repudiamos a insinuação caluniosa que essa frase contém.".
Guimarães também divulgou uma nota que, parece, explica a sua fúria e as acusações levianas. Forte emoção! E, bem, um detalhe da dita-cuja explica a eu discurso destrambelhado:
"Durante a reunião, me encontrava sob forte emoção. Todos sabem o momento que estamos atravessando na CAIXA, em especial para cumprir a hercúlea tarefa de levar o auxílio emergencial há (sic) mais de 50 milhões de brasileiros. Em nenhum momento pretendi desabonar pessoas ou instituições, muito menos sugerir a prática de qualquer conduta irregular ou ilícita."
O mais furioso da turma, como a gente viu, depois de Bolsonaro, era Abraham Weintraub, em quem o analfabetismo funcional é o menor de todos os analfabetismos...
Doutor Guimarães, gênio absoluto da raça, o das 15 pistolas, não sabe a diferença entre "a", uma preposição, e "há", do verbo haver.
Do que dá para entender de sua fala, essa é a menor das suas ignorâncias.

Coluna do Reinaldo Azevedo.




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