Por José Sarney
O Brasil atingiu, esta semana, um número de mortos pela pandemia de Covid-19 que não pode ser ignorado: passaram de 400 mil as vítimas. Os exemplos da imprensa para exprimir a dimensão da tragédia têm, e não poderia deixar de ser assim, um ar macabro. Sejam as comparações com as áreas das grandes capitais do País que seriam ocupadas por um cemitério, sejam as com o tamanho e número de cidades, sejam as com outros grandes morticínios, saímos delas com a certeza de que somos testemunhas de um marco histórico desses que acontecem poucas vezes na História.
Aos 91 anos, pertenço à mais velha das gerações contemporâneas; a gripe espanhola ocorreu doze anos antes de eu nascer. Vivi a Segunda Guerra Mundial; mais tarde acompanhei a revelação dos números dos grandes genocídios perpetrados por alemães, russos, japoneses, que mostraram os extremos limites do mal encarnado no homem. Durante a guerra chocavam as mortes civis de Dresden — 25 mil —, de Hiroshima — 170 mil. Mas guerra mesmo nós tivemos com o Paraguai, em que morreram cerca de 50 mil brasileiros. O número de paraguaios mortos é motivo de controvérsia, mas hoje os historiadores se encaminham para concordar que teriam sido em torno de 250 mil — vítimas de um dos mais tristes personagens da História das Américas, Solano López, que sacrificou todos por sua ambição pessoal.
Diante da Covid a comunidade científica mostrou, no mundo inteiro, união e solidariedade e, num prazo curto, conseguiu caminhos para aliviar o sofrimento da Humanidade. Nunca se conseguiu fazer vacinas contra um vírus novo em tão pouco tempo. A OMS fez um extraordinário trabalho de comunicação da aparição do SARS-CoV-2 e dos cuidados necessários para enfrentar a doença. Mas a gravidade da Covid-19 não pode ser minimizada. Já pegaram a doença 150 milhões de pessoas. Já há mais de 3 milhões de mortos.
Isso nos dá uma outra dimensão do problema brasileiro. Temos 1/33 avos da população mundial e 1/7 dos mortos. Não é o problema de ser uma humilhação, é o problema de estarmos agindo errado. Lembremos que além das 400 mil vítimas fatais, quase 15 milhões de pessoas pegaram a doença — muitas delas com sequelas graves —, e um número incalculável — 60, 100 milhões — teve, tivemos, que acompanhar com terror um familiar ou um amigo ficar doente e, vezes demais, falecer.
Um país, tantas vezes invocado como exemplo, é agora o modelo a seguir: os Estados Unidos. Durante nove meses Donald Trump combateu a ciência e os cientistas. Seu país colocou-se na liderança mundial de mortos, atingindo meio milhão. Então Biden assumiu. Colocou o combate nas mãos dos cientistas. Fez regras nacionais de isolamento e uso obrigatório de máscaras. O resultado não podia ser melhor, os números desabaram. Dar todo o poder à ciência é, portanto, a única solução.
Todos nós devemos ter, agora, o mesmo altruísmo que têm médicos e cientistas, que fazem enormes sacrifícios pessoais e passam por riscos tremendos: pensar no próximo, não somente em nós mesmos. Usar máscara, lavar as mãos, evitar aglomeração e qualquer coisa que ajude a disseminação do vírus, que pode se espalhar e infectar outras pessoas, inclusive as mais pobres, que têm menos condições de tratamento e, portanto, correm mais risco de morrer.
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