Presidente cumpre primeira promessa de campanha, que não tem apoio da maioria da população.
Decreto que muda regras e aumenta validade do documento de posse para até dez anos.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou nesta terça-feira o decreto que facilita a posse de armas de fogo no Brasil, alterando o Estatuto do Desarmamento. Essa era uma de suas principais promessas de campanha e é o primeiro anúncio de impacto que faz desde que assumiu o cargo, em 1º de janeiro.
Uma pesquisa do instituto Datafolha que foi divulgada nesta semana mostra que 68% da população é contrária ao afrouxamento dessas regras. No entanto, Bolsonaro assinalou que tomou a medida porque o "povo soberanamente decidiu", em referência ao referendo popular de 2005 em que 63% dos brasileiros votaram a favor do comércio de armas de fogo. "Para lhes garantir esse legítimo direito à defesa, eu como presidente vou usar essa arma [uma caneta]”, afirmou ele, antes de assinar o decreto. Segundo ele, a medida trará "paz" para as pessoas dentro de casa. Na cerimônia, ele se referiu à bancada da bala, formada por parlamentares ligados a questões de segurança pública, como "bancada da legítima defesa".
A medida é polêmica e a tendência é que ela seja questionada judicialmente. Um grupo de técnicos do Supremo Tribunal Federal já começou a estudar a legalidade dessa alteração legislativa tão logo ela foi anunciada no fim do ano passado. A dúvida é se as mudanças nas regras poderiam ser feitas por meio de decreto ou apenas por votação no Congresso Nacional.
Pelo decreto, o cidadão que deseja possuir uma arma legalmente tem de ter mais de 25 anos de idade, ocupação lícita, não responder a nenhum processo criminal ou ter sido condenado, possuir residência fixa e capacidade técnica e psicológica para usar o armamento. Estas exigências são as mesmas de antes. A principal mudança está no critério para conceder a posse de armas. Antes, era um delegado da Polícia Federal quem fazia a avaliação que determinava se a pessoa poderia ou não possuir uma arma. Agora, basta o interessado cumprir os requisitos do decreto e a polícia é obrigada a autorizá-la. “O grande problema que tínhamos na lei era a comprovação da efetiva necessidade. Isso beirava a subjetividade”, disse Bolsonaro.
Os interessados que tiveram seus pedidos de registro aprovados poderão comprar até quatro armas de fogo. Essa quantia pode aumentar desde que seja justificada, por exemplo, um cidadão que tiver mais de uma propriedade rural. A responsabilidade de emitir o registro segue sendo da Polícia Federal, mas o presidente sugeriu que podem ser elaborados convênios com polícias militares e civis das 27 unidades da federação.
A partir de agora, considera-se efetiva necessidade para obter a posse de armas para quem é agente público (ativo ou aposentado) das seguintes áreas: segurança pública, servidores da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), agentes penitenciários, membros do sistema socioeducativo (a antiga Febem), envolvidos em atividades de polícia administrativa e militares. Também os moradores de áreas rurais ou nas áreas urbanas com índice de violência superior a dez homicídios por 100.000 habitantes. Além de colecionadores, atiradores e caçadores registrados no Comando do Exército, e de quem for responsável por estabelecimentos comerciais ou industriais.
O presidente também alterou o prazo de validade do documento de posse, de cinco para dez anos. Os registros existentes foram automaticamente renovados. Seu antecessor no cargo, Michel Temer (MDB), já havia feito essa troca de três para cinco anos.
As novas regras também preveem que o dono da arma terá de ter um cofre em casa ou um local seguro para trancá-la, caso no imóvel em que resida vivam crianças ou pessoas com deficiência mental.
Pela legislação atual, a posse significa que o proprietário poderá deixar a arma em sua casa ou em seu estabelecimento comercial. Não poderia, por exemplo, transitar com ela pelas ruas. Essa prerrogativa cabe apenas a policiais, agentes de segurança e a outras categorias especiais, como juízes e promotores.
Organizações da sociedade civil, como o Instituto Sou da Paz, iniciaram campanhas nas redes sociais contrários à medida. Em sua visão, o decreto não ajuda a resolver o problema da segurança pública em um país em que foram registrados 43.000 homicídios por armas de fogo em 2018, o que representa 71% dos casos de assassinatos. “No fundo, o brasileiro não quer arma, quer segurança”, ressalta a ONG.
“Historicamente o Brasil vem amadurecendo a discussão sobre a posse de armas por parte da população civil. Uma decisão deste tamanho, por meio de um decreto, vai na contramão de todo esse debate. Além de não garantir a redução da violência”, disse o vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, o advogado criminalista Hugo Leonardo.
Os defensores da posse de arma, como o deputado federal e senador eleito Major Olímpio Gomes (PSL), dizem que a ampliação da posse vai permitir que o cidadão possa se defender, caso seja vítima de um roubo ou uma tentativa de assassinato. “Nós já temos a prova de que o estatuto do desarmamento só contribuiu para empoderar os criminosos”, afirmou em entrevista ao EL PAÍS.
0 comentários:
Postar um comentário