Destruição da Petrobras mostra que Lava Jato é “cavalo de Troia”, diz Flávio Dino

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Eà Pública, o ex-juiz e atual governador do Maranhão (PCdoB) critica abusos e ilegalidades por parte de Moro e procuradoresVasconcelo Quadros
Ex-juiz criminal, jurista e ex-deputado federal, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), 51 anos, fala com conhecimento jurídico sobre a Lava Jato. Embora defenda a operação, afirma que houve parcialidade nas investigações contra o ex-presidente Lula e outros réus, o que, segundo ele, foi demonstrado “imensamente” nos diálogos revelados pelo Intercept entre procuradores e o ex-juiz Sergio Moro. “Na hora em que o juiz orienta a acusação, sugere medidas à acusação, monta estratégia junto com a acusação, indica provas, faz o debate, orienta a acusação de como fazer o debate na imprensa, ao mesmo tempo ele chama a defesa, no curso do processo, de ‘showzinho’, significa que ele não estava disposto a fazer aquilo que tecnicamente é chamado de bilateralidade da audiência. O juiz deve ouvir as partes de verdade, não de modo fake, não teatrinho. Não havia isso. E isso contamina de morte o processo inteiro”.

Depois da longa entrevista concedida ao repórter da Agência Pública na quinta-feira de manhã em Brasília, Dino ainda respondeu a mais uma pergunta – essa enviada por e-mail – sobre a participação de sua colega de partido, Manuela D’Ávila, apontada pelo hacker preso (no fim da tarde daquele dia) como intermediária do contato entre ele e Glenn Greenwald, ele diz: “Manuela é uma mulher séria. Ela não tem nada a ver com hacker algum. Ela própria já informou que se limitou a passar o contato de um jornalista. Esse assunto sobre ela está encerrado, a meu ver.”

Embora defenda “um julgamento de verdade” para o ex-presidente Lula, Dino reconhece que “parte da esquerda participou da corrupção”. Mas aponta uma “instrumentalização político-partidária” da causa da corrupção. Bolsonaro, por exemplo, está longe de representar a ética na política como querem seus seguidores. “Um presidente da República desejar indicar o seu próprio filho como embaixador nos Estados Unidos é um caso escandaloso e inusitado de nepotismo internacional. E onde estão os fariseus que são contra a corrupção? Estão achando normal?”, pergunta.

O governador do Maranhão também analisa a operação do ponto de vista do prejuízo trazido para as empresas brasileiras – em especial para a Petrobras. “Quando se abrirem os arquivos públicos dos Estados Unidos daqui a 30 ou 50 anos, os que estiverem vivos terão compreensão mais plena da luta geopolítica gigantesca que se trava hoje no mundo em torno da soberania energética”, afirma.

Segundo ele, o Brasil está perdendo todos os instrumentos que levou décadas para garantir a soberania no plano energético. “Todo o sistema Petrobras está sendo dizimado por privatizações e pela perda de capacidade de investimentos. Esse resultado identifica o indício de que [a Lava Jato] é uma espécie de Cavalo de Troia. Dentro do Cavalo de Troia, bonito e legítimo, havia outros interesses que estão agora sendo, lamentavelmente, concretizados com a destruição da soberania energética”, sustenta.

Dino tem se dedicado a pregar em sucessivos encontros com lideranças da esquerda e do centro, a formação de uma frente ampla para fortalecer a democracia. Tem pinta de presidenciável, mas, embora tenha ouvido de Lula que em 2022 o PT “pode ter ou não” um candidato, nega que neste momento esteja se colocando como alternativa. Leia a entrevista:

Valter Campanato/Agência Brasil
Para Flávio Dino, atual governador do Maranhão pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a Lava Jato destruiu o sistema político e permitiu a emergência do bolsonarismo
Que avaliação o senhor faz sobre os rumos da Lava Jato ou seu efeito na política?

Em relação aos processos do Judiciário de um modo geral, de combate à corrupção, a minha avaliação é a de que eles são absolutamente necessários, imprescindíveis, eu diria. O problema está na instrumentalização político-partidária da causa do combate à corrupção, que aconteceu muito nitidamente. Em razão dessa instrumentalização é que se violaram leis para garantir o alcance de metas políticas. Essa é a minha crítica. E isso se equalizou imensamente com a revelação desses diálogos na imprensa a partir do Intercept. Os diálogos mostram que em alguns casos não havia processos judiciais legítimos. Em relação ao ex-presidente Lula o que nós identificamos? Um engajamento político-partidário visando assegurar que ele não pudesse concorrer, que ele não pudesse dar uma entrevista. Isso se revela como se fosse assunto de interesse de operadores, de agentes públicos do direito. Não. Se ele vai concorrer ou não é um assunto político. Se ele vai dar uma entrevista ou não é um assunto político. Não é assunto que diga respeito [à força-tarefa], que deva ocupar e gerar ardis, artimanhas, estratégias, para impedir fatos políticos. Então é quanto a isso que eu tenho me insurgido já de algum tempo e acho que essa crítica foi profundamente atualizada [com o vazamento do Intercept].

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Em que sentido? A Lava Jato está num ponto de inflexão?

O que eu acho que deve ocorrer é uma ponderação, um balanceamento há muito reclamado e que cabe sobretudo ao Supremo, no seguinte sentido: os processos judiciais contra a corrupção devem continuar, mas os excessos, os abusos, devem ser combatidos. Então não é propriamente uma inflexão no sentido de acabar com a Lava Jato, não é isso, mas no sentido de acabar com os abusos da Lava Jato. Esse é o ponto fundamental.

O senhor, como juiz, deve ter lido, obviamente, o processo do Lula, não é? Tecnicamente que avaliação que o senhor faz?

Em relação à única condenação expressiva que ele tem, aquela atinente ao triplex, nós temos alertado para algumas questões jurídicas extremamente importantes. A primeira: o triplex fica no Guarujá, em São Paulo. O que esse processo foi fazer em Curitiba? Como ele foi parar lá? Criaram um vínculo que não existia entre isto e os problemas na Petrobras para justificar a competência curitibana. Isso é ilegal. Criou-se uma competência, se violou um princípio constitucional chamado juiz natural.

E essa ligação foi feita somente a partir da delação do Léo Pinheiro (ex-dirigente da OAS)?

Isso. A lei das delações diz que a palavra de um único delator não tem força probatória e apenas o Léo Pinheiro se refere a esse suposto vínculo, que é negado depois pelo próprio juiz Sergio Moro. Na sua sentença ele afirma cabalmente: “em nenhum momento afirmei que o dinheiro provém da Petrobras”. Ora, se não provém, o que esse processo foi fazer em Curitiba? E a partir daí, aí sim, os diálogos vão mostrando que havia desde sempre uma decisão do juiz, ao longo do processo, de dar razão sempre à acusação ao mesmo tempo que menosprezava a defesa.

Tecnicamente, a parcialidade é clara para o senhor?

Muito clara e ao mesmo tempo fatal, porque o artigo 5º, inciso 55 da Constituição, que é o princípio do contraditório, da ampla defesa, diz que na hora em que o juiz orienta a acusação, sugere medidas à acusação, monta estratégia junto com a acusação, indica provas, faz o debate, orienta a acusação de como fazer o debate na imprensa, ao mesmo tempo ele chama a defesa, no curso do processo, de “showzinho”, significa que ele não estava disposto a fazer aquilo que tecnicamente é chamado de bilateralidade da audiência. O juiz deve ouvir as partes de verdade, não de modo fake, não teatrinho. Não havia isso. E isso contamina de morte o processo inteiro.

Um dos argumentos contrários é o de que sentença foi confirmada em instâncias superiores.

Sobre isso caberia uma longa resposta, mas eu gostaria apenas de me ater a um detalhe jurídico. No Brasil, no sistema jurídico, as provas são produzidas apenas na primeira instância. Ou seja, os tribunais julgam com base nas provas que são colhidas perante o juiz de primeiro grau. Todos os julgamentos, portanto, se baseiam em provas que foram colhidas de modo viciado. Na medida em que o conjunto probatório ali existente deriva da ação de um juiz parcial, é claro que a resposta está no Código de Processo Penal. O Código de Processo Penal, desde 1941, diz – e isso é intuitivo, é uma questão de bom senso – que o juiz que aconselha as partes deve ser considerado suspeito. E o mesmo Código de Processo Penal diz que a sentença proferida por um juiz em suspeição deve ser anulada. Não para que o presidente Lula seja absolvido, é importante dizer isso. A questão não é dizer “o Lula tem que ser absolvido”. Não cabe a mim, como político, dizer isso. Eu quero que ele tenha um julgamento de verdade.

O Conselho Nacional do Ministério Público arquivou a representação contra procuradores envolvidos nas gravações vazadas. Não era o caso de investigar eventuais falhas funcionais relacionadas aos atos da PF e do MPF dentro da Lava Jato?

Eu acredito que esse tema vai ser rediscutido no Conselho Nacional do Ministério Público porque foi uma decisão individual de um membro do conselho. Acho que esse tema irá ao colegiado e eu tenho muita crença, muita confiança, de que a apuração será feita, até porque a todo momento surgem fatos novos que mostram até indícios de proveito pessoal em relação ou em face da atuação funcional. Ou seja, a instrumentalização da reputação, da fama, obtida com a atuação funcional para obtenção de proveitos individuais, de lucros, montagem de empresas. Isso é muito grave. Tenho certeza que a imensa maioria dos juízes brasileiros, dos procuradores, dos membros do Ministério Público do Brasil não concorda com isso.

Agora surge essa questão dos hackers. Como avalia?

Em relação aos diálogos há esse debate equivocado sobre a ilicitude da prova, como se isso pudesse implicar que tudo fosse jogado no lixo. Tecnicamente não. Mesmo que a prova seja ilícita, embora ela não sirva para formar acusação contra alguém, ela se presta a proteger a liberdade de alguém que tenha sido injustamente acusado ou preso. Isso a jurisprudência, a doutrina já é consolidada no Brasil. De um lado tem a ilicitude da prova, do outro tem o direito à liberdade, que é um direito fundamental. E essa é a razão pela qual mesmo que a prova seja eventualmente tida como ilícita, ela pode, sim, ser de interesse, e por isso ela não pode ser destruída.

Moro falou às autoridades vítimas do hacker que o material seria destruído.

Ele sequer deveria ter opinado sobre isso.

Como o senhor avalia a atitude do ministro?

Eu fiquei, na verdade, espantado, porque é inimaginável. É um conceito básico e elementar de processo penal. Um inquérito policial é conduzido por um delegado de polícia de carreira. Perante ele atua o Ministério Público e tem ainda o controle judicial. Isso está no Código de Processo Penal, é no começo do Código. Se você pegar, por exemplo, a lei de interceptação telefônica, que poderia ser aplicado por analogia, quem pode destruir ou não o que foi apreendido é somente o juiz. O ministro da Justiça não tem nada que opinar em inquérito, ele não tem que ter acesso a inquérito, ainda mais um inquérito sigiloso.

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