Assim convenci minha família a viver uma semana sem plásticos. Seremos capazes?

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 Por Patricia Gosálves do EL PAIS BRASIL.

Uma plataforma na Internet propõe passar sete dias sem consumir produtos com embalagens descartáveis. Este é o diário de uma tentativa. 

como reduzir o consumo de plástico? 

  O pepino plastificado me olha languidamente da geladeira. Sua carne flácida, aparecendo através da desnecessária embalagem transparente, e seu código de barras personalizado me angustiam. É um símbolo de tudo o que faço de errado como consumidora. Comprar sem pensar. Comer sem planejar. Destruir o planeta.

Minha dramática história com este pepino em particular começou, como tantas outras ultimamente, no grupo de WhatsApp dos pais. A primeira coisa que chegou ao grupo “Mamma Mia - 1º ano primário” foi este vídeo que, se você vive na Espanha e tem celular, também deve ter recebido. São 34 segundos com tambores a todo volume convidando você a se unir a “um desafio viral para salvar o planeta”:

O convite ao boicote ao consumo indiscriminado de plástico pela organização Hope, que viralizou na Espanha no início de junho.
A campanha foi criada pela organização Hope, um site que produz e compartilha vídeos sobre meio ambiente. O chamado por um “boicote aos alimentos embalados em plásticos” durante a semana de 3 a 9 de junho foi uma iniciativa do Zero Waste España, um grupo do Facebook que luta pela redução de resíduos, e o momento coincidia com o Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho.
Uma mãe mandou o famoso vídeo para o grupo num sábado, quando eu já tinha comprado o pepino. Em seguida, outra viu o desafio e publicou outros cinco vídeos no domingo, enviando o apelo de umas crianças italianas idealistas em uma praia imunda, que ao final pedem que a gente recicle para conseguir um mundo melhor. “Fallo per me”, repetem um após o outro. Se você tem alma, lagriminha...


O famoso vídeo das crianças italianas mobilizadas pelo fim do consumo de plásticos.
 

A terceira mãe participante já veio pedindo truco. “Jogue o plástico no chão dos supermercados depois de comprar. Quem sabe eles entendem o recado.” O recado, senhores supermercadistas, é que as mães de família são muito punks e estão fartas de que lhes plastifiquem os pepinos. Se vocês não veem o nicho, estão cegos.

Enfim, que meu chat escolar (colégio público, maioria de pais e mães profissionais liberais, classe média urbana) se transformou em uma declaração de intenções que muitas famílias já tomaram: alguns participam de grupos de consumo (compram frutas, verduras, laticínios e carne de cooperativas de produtores locais), outros reutilizam vasilhames higiênicos em lojas a granel de sabões e detergentes, outros leem e recomendam ensaios sobre consumo alternativo… Tudo isso no mesmo domingo em que eu tinha feito um churrasco para 12 pessoas cujo rastro ecológico eram três sacos de lixo gigantes repletos de bandejas de isopor, filme transparente e latas de cerveja. Flechada de culpabilidade.


A eco-nversa continuou no subgrupo de pais-que-são-mais-amigos. E a culpa foi crescendo ao ver como eles lutam: na intimidade, as pessoas usam iogurteiras. Fazem sabão com azeite sujo e soda cáustica. Uma mãe alemã propôs, meio de brincadeira, recuperar os cadernos reciclados e a tinta caseira de suco de cogumelos da sua infância nos anos oitenta. Porque também o ambientalismo é um esporte em que a Alemanha sempre ganha.

Estas famílias com filhos, muito parecidas com a minha, introduziram pequenos e grandes hábitos para reduzir sua pegada ambiental. Não são radicais a respeito (“Amiga, quem nunca comprou um suco de caixinha com canudinho?", diz uma mãe, me consolando), mas seus gestos marcam uma mudança de atitude que é urgente à vista dos dados.
De modo que esta mãe de dois, que vive repetindo que não tem tempo para nada, que não cozinha e que compra a qualquer hora e imprudentemente na versão express do seu supermercado de confiança – onde quase tudo vem plastificado (inclusive o que, por ser orgânico, custa dois euros a mais) – vai aderir a um desafio que tem tudo para ser MAIÚSCULO. Uma semana sem consumir plásticos descartáveis.

Há dois grandes motores para fazer isso, além do mais óbvio (a crise ambiental). Primeiro, a quantidade repugnante de plásticos que envolvem o que uma família de quatro pessoas come – na minha casa, uma sacola plástica de compra cheia a cada dois dias. O segundo é o otimismo e a naturalidade com que as crianças (6 e 3 anos) aceitam sem pestanejar o #noplasticchallenge. “Mamãe, larga a caneta e use um lápis!”, foi sua primeira reação à pergunta: “Acham que seremos capazes?”. Com tanto entusiasmo, não vale usá-los de desculpa.

Como família, levamos uma levíssima vantagem. Os tão poluentes canudinhos já foram desterrados do meu lar há um ano, quando meu marido decidiu traumatizar toda uma geração de infantes mostrando-lhes este vídeo do resgate de uma tartaruga com plástico no corpo.


O comovente vídeo do resgate à tartaruga Lora, encontrada com um canudinho no nariz.
Escolheu para isso uma excursão em que o filho de alguém chorava por falta de canudos. Mais de um acabou chorando, mas pararam de pedi-los.

Também exilamos faz tempo as tão convenientes toalhinhas umedecidas, após lermos uma reportagem de Manuel Planelles poeticamente intitulada “O monstro que entope os esgotos”. Ainda sinto falta delas, mas vejo a foto do monstro e me voltam os engulhos.

E, por último, posso me gabar de começar esta difícil semana que se avizinha com um coletor menstrual dentro de mim. Comecei a usá-lo mais perto da menopausa que da menarca, mas mesmo assim, por 30 euros (cerca de 130 reais), livrou-me o bolso e a consciência de anos de resíduos íntimos.

Apesar destes três pontos positivos, na segunda-feira da semana #boicoteaoplasticojunho2019 começou com uma avaliação nefasta. Praticamente tudo o que comemos ontem estava embalado em plástico: o leite, o mel e o queijo de untar do café da manhã, os iogurtes e pudins do almoço, as garrafinhas de água e o café de máquina do trabalho, a salada (de saquinho) e a carne (em bandeja) do jantar. Também, claro, os xampus, géis, cremes dentais… Foi uma segunda-feira a mais, uma segunda-feira qualquer de uma família média, em que os quatro fomos cúmplices de um crime global.

Na terça-feira, quando finalmente começo o desafio, será diferente. A partir de hoje vamos tentar reduzir a zero – a seco, como quem para de fumar – o nosso consumo de plástico descartável durante uma semana. Não acredito que sejamos capazes sem emplastros, na verdade. Mas tenho certeza de que o experimento arrastará até a margem um par de sujas lições.



No Brasil, Rio e São Paulo banem sacolas e canudos


El País, São Paulo
A preocupação em reduzir o consumo de plásticos é uma questão global e, assim como na Europa, o Brasil também avança na implementação de legislações que visam reduzir a produção de lixo que leva anos para se decompor.
Na cidade de São Paulo, a lei que proíbe o fornecimento de canudos plásticos em estabelecimentos comerciais da capital paulista entrou em vigor nesta terça-feira, 25 de junho — a lei prevê uma multa de 8.000 reais para quem descumprir a norma, que já foi aprovada em várias outras cidades brasileiras. Já no Rio de Janeiro, a lei estadual que veta a distribuição de sacolas plásticas em supermercados passou a valer a partir desta quarta-feira. O comerciante que não seguir a norma estadual poderá pagar até 34 mil reais de multa no Estado fluminense.



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