Dilma à Sputnik: para a democracia brasileira 'é crucial que Lula volte'

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Ex-presidente brasileira, Dilma Rousseff, durante entrevista com Sputnik Brasil em Moscou, 6 de outubro de 2017

Como serão as futuras presidenciais no Brasil? Por que não se constrói uma grande coalizão de esquerda no país verde e amarelo? Em uma entrevista exclusiva à Sputnik Brasil em Moscou, a ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, revelou as respostas a essas e muitas outras perguntas pendentes.
Entre os dias 2 e 6 de outubro, ex-chefe de Estado brasileiro, a petista Dilma Rousseff, tem estado com uma visita nas cidades russas de Moscou e São Petersburgo. A Sputnik Brasil teve uma oportunidade única de entrevistar a senhora ex-presidente para falar dos assuntos internos e internacionais.
Sputnik Brasil: Proponho que comecemos com os eventos mais recentes. Como a senhora poderia caracterizar a agenda da sua visita à Rússia? De quem foi a ideia da viagem e quais foram as organizações russas que ajudaram a senhora com a organização da visita?
Dilma Rousseff: Olha, a ideia dessa minha viagem à Rússia tem a ver com uma organização que é compartilhada com algumas universidades, mais precisamente 3 universidades, e o CLACSO que é o Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais. Essas universidades enviaram um convite e no marco da relação delas com o CLACSO eu vim aqui, falar basicamente nas áreas que são áreas que se dedicam ao estudo da América Latina. […] Então, isso, eu diria para você, é um marco geral. Um marco específico é o meu interesse como ex-presidente, embora legitimamente eleita, e o meu mandato ainda não terminou, é para esclarecer a situação do Brasil para o mundo. […] Tem um objetivo fundamental de conscientizar quais são as características do golpe, como é que ele se desenvolve e […] o que está em vias de acontecer no Brasil no próximo ano, que é um ano fundamentalmente… que marca um encontro do Brasil consigo mesmo, porque é um ano democrático, é um ano das eleições presidenciais.
Em conversa com a Sputnik, Dilma destacou que já fez várias viagens desse tipo, inclusive para Espanha, Portugal, toda a costa oeste dos EUA, isto é, a costa do Pacifico. À Rússia ela veio de Helsinque, seguindo para a Universidade de São Petersburgo e Universidade de Moscou, Academia de Ciências da Rússia e o Instituto de Estudos Latino-Americanos.
SB: Sim, falando das presidenciais. Falta quase um ano exato para as eleições presidenciais no Brasil de 2018. Nesse respeito, qual é a previsão da senhora — com candidatura de Lula e sem participação dele?

DR: A minha previsão é que… Eu sofri um golpe parlamentar midiático. Este golpe parlamentar se deu porque por quatro vezes consecutivas nós derrotamos o projeto neoliberal, tanto do ponto de vista econômico-social, quanto do ponto de vista geopolítico. Esse projeto tem como caraterística implantar no Brasil um regime que já tentaram antes, que consiste em redução do Estado brasileiro. […] Bom, tudo que está acontecendo no Brasil hoje tem a ver com o golpe que foi dado, que se completou em agosto de 2016, mas que foi planejado e executado a partir de 3 meses depois que eu ganhei as eleições por 54 milhões e meio de votos. Criaram todas as condições, acirrando a crise econômica, porque jogaram sobre a crise econômica, aquela crise que atingiu todos os países emergentes, inclusive a Rússia, a China.
Continuando o tema, a ex-presidente afirmou que os apoiantes do "projeto neoliberal" que não conseguiram implantar suas ideias através de uma eleição geral, ou seja, um pleito, aproveitaram um momento certo de crise e uma espécie de vácuo econômico para "criar uma crise política e com isso suspender o regime democrático".
Dilma insistiu em sublinhar que o PT, pelo contrário, derrotou o projeto agora implantado de forma forçada por 4 vezes consecutivas, fazendo avançar seu programa de desenvolvimento econômico, com grande redução de desigualdade e com afirmação da soberania brasileira.
"Tendo em vista que queriam enquadrar o Brasil, porque não conseguiam através das eleições, […] inventam um motivo. Qual é o motivo que inventam? Inventam que há questões orçamentárias, porque não podem me acusar de corrupção. Acusam das questões orçamentárias que todos os governos praticaram. Daí, este processo ocorre.
Eles me tiram do governo. Quando me tiram do governo, eles aproveitam para implantar no Brasil num período curto de tempo, que é pós-agosto de 2016, o quê? O que não tinham conseguido ganhar por eleição", defendeu a ex-presidente.
Críticas ao governo atual
Além disso, ela assinalou que as ações do atual governo não fazem nada senão "ferir a democracia", introduzindo emendas constitucionais que implicam "absoluta neoliberalização do orçamento" como congelamento de todos os gastos sociais por 20 anos.
"A democracia se baseia no seguinte: cada presidente tem direito de ter seu programa social e econômico. Se você define um programa social por 20 anos, você fere o direito constitucional de cada um dos eleitores que escolheu o presidente que lhes interessa. […] Então eles continuaram nesse processo. No mesmo tempo, eles desmontaram todas as políticas sociais que nós fizemos neste período", manifestou Dilma, advertindo, porém, que o ano de 2018 será algo que poderá fazer a justiça voltar ao palco interno do país.
Aliás, enfatizou, dado o crescente grau de impopularidade do atual presidente, as pessoas já começaram se dando conta de que "houve golpe" e esse, respectivamente, "trouxe uma perda de direitos econômicos e sociais".
"Querem vender o Brasil a preço barato, inclusive o patrimônio brasileiro. Abrem terras para estrangeiros, querem privatizar empresas de energia elétrica que controlam todas as grandes hidroelétricas, estão vendendo partes do pré-sal. […] Até um grupo de senadores já enviou cartas às embaixadas de todos os países, avisando o seguinte: não comprem, não comprem o que o Brasil está vendendo, porque nós vamos rever. Então, vai haver uma insegurança jurídica se você se forçar a compra. Esta é a continuidade do golpe", criticou.
Mas como 'se novelizou' a queda do PT?
Falando da possível participação de Lula nas eleições de 2018, a Dilma assegurou: os seus adversários políticos tinham previsto tal cenário e agiram de forma para impedir completamente a potencial participação petista na governança.
"Só me tirar não bastava. Me tira, tá. Nós damos uma volta e voltamos. Então tinha que liquidar a maior liderança política. Começou, então, o processo de perseguição ao Lula", afirmou.
Falando da situação política criada no establishment político brasileiro nos últimos anos, a ex-líder brasileira demonstrou um conhecimento bem profundo de ciências sociais, citando uma série de noções para ilustrar o acontecido.
"E institui-se o que se chama estado de exceção. Quem teorizou sobre o estado de exceção […] foi um italiano Giorgio Agamben, que mostra que o estado de exceção convive com o estado democrático. […] O que eu interpreto é que medidas de exceção, a maior delas é um impeachment, começa a corroer por dentro a democracia. E aí, eles completam esse processo com algo que outro intelectual, desta vez americano, Comaroff, concebeu em termos teóricos como algo que chamou de "lawfare". De lei, "law", e "fare", de guerra. A guerra da lei. Esta guerra da lei consiste em você utilizar como instrumento de combate político não a praxe, a prática democrática", explicou a petista.
De acordo com Dilma, no "lawfare" (em analogia com a palavra inglesa "warfare", ou seja "guerra" ou "equipamento militar"), a lei é usada para matar o adversário politicamente, civilmente, moralmente, acusando-o de praticar algum crime.
"Se mais tarde se prova que este adversário foi inocente, não tem importância. Ele já foi tirado do campo de batalha político", adiantou.
E, de fato, os conceitos cunhados pelos intelectuais ocidentais deram certo. Tanto o Lula, como Dilma e todo o PT em geral, sofreram um "profundo desgaste".
"Caiu a popularidade do partido, caiu a popularidade do Lula, nós tivemos uma situação que, combinada com o impeachment, é uma situação grave", confessou, frisando, sobretudo, o papel da mídia no processo, dado que esta, na opinião da ex-presidente, é "oligopolista" e se caracteriza por uma "concentração absurda", na qual um órgão de comunicação tem "só uma orientação, uma opinião" e é "antidemocrática".
E vai haver regresso?
De acordo com Dilma, a vida do modelo atual implantado, em sua opinião, de maneira ilegítima, não vai durar.
"Eles querem voltar ao momento anterior, onde o dinheiro do Estado brasileiro era dominantemente usado para os setores mais ricos. Isso a população percebe imediatamente, porque com o passar dos meses cada vez mais se aprofunda a perda de direitos. Então a população passa a perceber a ponto do atual presidente só ter 3 por cento de aprovação. De cada 100 pessoas, só 3 o apoiam", defendeu.
Quanto à possível candidatura de Lula e sua atual aprovação, Dilma se mostrou mais que otimista. Mais que isso, a ex-presidente defendeu: para a democracia brasileira "é crucial que Lula volte para recompor não só as condições econômico-sociais, mas as condições políticas".

"E, ao mesmo tempo, essa primeira parte que eu falei leva a que o presidente Lula tenha 35 por cento, mínimos, 36… Que é mais da metade de qualquer outro candidato nessa etapa. Mas, ao mesmo tempo, a rejeição que tinha sido construída contra ele cai. Por que ela cai? Por que as pessoas começam a perceber que é a perseguição política", continuou.
Além disso, Dilma Rousseff defendeu que a tática escolhida pelo governo atual e pelos principais "construtores" da sua destituição acabou por afetar eles mesmos.
"Mas como na democracia todos são iguais perante a lei, tem essa igualdade formal perante a lei, começa a dispersar os ataques e atinge o atual presidente, atinge todo o governo dele. Atinge também aqueles que lideraram o impeachment: o ex-presidente da Câmara [Eduardo Cunha], que vai preso lá em Curitiba e, hoje, todos os que lideraram o impeachment, todos. Ou estão presos, ou estão com um processo muito forte. Por conta disso, se abre uma caixa de Pandora e os monstros devoram quem abriu", concluiu.
Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil e líder do PT
© REUTERS/ PAULO WHITAKER

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